Thursday, July 26, 2007
As cores, formas e traços das obras de Angenor de Oliveira e Ray Charles Robinson
Seria Cartola o Ray Charles brasileiro, ou o Ray Charles um Cartola Americano? Dois gênios que falavam línguas diferentes e que viveram circunstâncias completamente diferentes. Os dois traziam em comum o DNA da genialidade criativa, uma genialidade não aprendida com ninguém, mas surpreendentemente extraída da capacidade de transformar em arte sentimentos, idéias e pontos de vista. Suas músicas conduzem pensamentos e sentimentos. Quer ver? Experimentem criar sob a atmosfera musical de um deles, ou melhor, dos dois.
Cartola e Ray Charles são tão diferentes, mas tão parecidos. As semelhanças realmente vão muito além do hábito de usar óculos escuros o tempo inteiro. Mas o melhor de tudo sem dúvida não eram suas semelhanças, mas as suas diferenças.
O pai do rhythm and blues, Ray Charles, nascido na Georgia, Estados Unidos, é o criador dessas músicas que soam circulares, que sonoramente parecem ter formas perfeitas, sem quinas, sem pontas e de ciclos mais curtos, mas muito intensos. Assim surgiu esse estilo, o estilo Ray Charles. Uma música com um ritmo que não trazia o instrumento percussivo como protagonista, mas a sua interpretação visceral. Assim a música de Ray Charles não surgiu de uma fórmula, em absoluto, mas de uma expressão da simplicidade de um homem que transbordava, na sua voz e no seu piano, a intensidade de suas crenças e de seu sentimento. Agora, pare um pouquinho e imagine as cores e as formas que se materializariam nas músicas de Ray Charles. E se, ao invés de músico, ele fosse um diretor de arte ou um designer, como seria esse trabalho?
Já aqui do outro lado do mundo, mais precisamente no Rio de Janeiro, nasceu Angenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola, alguém cujo apelido já diz tudo. Basta dizer que ele trabalhava como pedreiro usando um estiloso chapéu para proteger o seu cabelo do pó de cimento. Só alguém com tanta personalidade e estilo poderia ser um dos responsáveis pela popularização e desenvolvimento do samba. É um tipo de música que mistura dois universos completamente antagônicos, a riqueza da harmonia musical e a informalidade da sua própria interpretação. Se por um lado os ciclos das músicas de Ray Charles eram curtos, os de Cartola passavam por longos caminhos além de completamente inesperados, mas que quando menos se esperava chegavam ao seu destino concluindo frases melódicas altamente ricas, sofisticadas, lindas e altamente sensibilizadoras. Sem falar que em uma única canção era possível perceber alegria, deboche, profundidade, tristeza ou reflexão. Os caminhos despertados por Cartola, além de diversificados, conduziam harmonias mais amplas e ainda mais inesperadas. É como se formasse uma paleta de cores que você nunca imaginou antes pelo simples fato de serem totalmente incompatíveis entre si, porém perfeitamente harmonizadas. A criação de Cartola era isso, uma espécie de combinação entre o erudito e o pagão, pelo domínio completo dos dois universos, desafiando a expectativa e acima de tudo a emoção. A direção de arte da sua música mistura a delicadeza do impressionismo de Van Gogh com a irreverência do grafiteiro das ruas, nascendo assim por conseqüência algo genuíno e altamente intrigante. Mas só há uma forma de experimentar esse mundo e tentar traduzi-lo de forma gráfica. Experimentando. Tente criar uma linguagem visual inspirada na mensagem e na atmosfera produzida por esses gênios.
Por mais que isso tudo possa parecer uma grande maluquice, uma coisa é certa - essa é uma experiência altamente prazerosa. E além disso, essa inversão sensorial pode contribuir muito para o descobrimento de novos caminhos conceituais e metalingüísticos, ou seja, é possível fazer algo completamente diferente se experimentarmos ouvir com os olhos e e enxergarmos com os ouvidos.
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3 comments:
Ricardo, tenho acompanhado com sorriso no rosto sua nova safra de posts. Um olhar diferente sobre a vida.
Neste post em específico você fala de duas descobertas não tão recentes mas sempre contantes pra mim. A temperatura pode ser sentida e vista enquanto ouvimos Charles gritar "Listen what I said", ele descobre e nos convida a suar com sua descoberta. Cartola chora, grita, ri e divide sua emoção em versos são visuais quanto vicerais.
Eu ainda não tinha parado pra criar sobre essa perspectiva. Obrigado Figueira, irei faze-lo.
Um abraço
Thiago Honório
Sem dúvida Cartola e Charles são formadores de arte incomparáveis.
Mas, por mais que o som de Charles seja MUITO bom, eu continuando sendo um dos adoradores do samba de Cartola.
Abs
Raul Torres
camarada, essa rede... promove encontros e confluências que se perderiam em calendários não coincidentes... rs falo isso porque acabo de brincar com um texto nascido da ponte que senti entre esses dois gênios... procurava fotos deles e caí em seu blog. parabéns! bom notar que a genialidade atinge a tantos e com tamanha provocação desdobra em mais arte e comunicação. Abs, Cel Bentin. P.S. Sim, 'dei o gato' em vossa montagem (deixei o link de sua postagem)
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