Thursday, March 22, 2007

Meu primeiro diretor de criação


Jorge Castello Branco de Carvalho – Primo do poeta Camilo Castello Branco, meu avô por parte de mãe, um matuto marceneiro que por hobby criava em seu torno cadeiras, quadros em relevo, imagens sagradas e inclusive objetos despretensiosos, como banquinhos para o dia-a-dia. Suas peças eram impressionantes pelo fato de trazerem um estilo muito próprio que eu nunca vi em lugar nenhum até hoje, sem falar do alto nível de acabamento em tudo que fazia. Foi logo cedo que meu avô percebeu a minha verdadeira fascinação pelo seu trabalho e resolveu me levar para cima e pra baixo, de modo que eu pudesse também experimentar aquele tipo de iniciativa criativa, porém com atividades bem menos perigosas do que marcenaria, afinal eu só tinha por volta dos 10 anos. Foi quando fomos à sua chácara e lá avistei bem no alto, quase na entrada do portão, um catavento. Um lindo catavento branco com uma cauda que se confundia com um gigantesco leme de barco. E então ele me perguntou: “Vamos imprimir o nome da nossa chácara nesse catavento?” Sem ter idéia de como isso poderia acontecer, logo concordei, afinal, não ia perder a chance de descobrir como poderia fazê-lo. Foi quando meu avô pediu ao caseiro para desmontar a cauda do catavento e deixá-la no chão para que pudéssemos começar o trabalho. Lembro-me que em seguida ele foi lá dentro da casa e voltou com um rolo de papel-manteiga, régua, compasso, fita crepe, lápis, borracha, pincel e tinta. Eu não entendia como chegaríamos a uma impressão precisa com aquele material. Afinal, as placas da rua, os letreiros das lojas, os desenhos nas caudas dos aviões, as capas de revistas, tudo aquilo que me fascinava tanto traziam soluções gráficas, tão precisas, que só me vinha à cabeça um processo altamente industrial até que percebi, debaixo do braço de meu avô, algo que ele me entregou e falou: “Você vai começar por aqui”. A princípio pra mim era um livro cheio de letras diferentes e na sequência de A a Z. Eu continuei sem entender nada, até que meu avô me disse: “Escolha um alfabeto que você acha mais parecido com a cara da nossa família”. Neste livro de aproximadamente 100 páginas havia o que depois eu entenderia como famílias tipográficas e muito mais do que isso, lá havia a relação de espaço entre as letras, aplicações de escala e o movimento específico em que cada letra precisava ser pintada. Era um livro de 1928, todo remendado com durex e uma capa reconstruída com papel de ovo de páscoa, que o meu próprio avô utilizou para proteger. Lembro que fiquei muito impressionado com a injustiça à letra “I” no livro, ela ocupava menos da metade do espaço que o ‘M” ocupava e ficava magrinha-magrinha no meio de dois espaços entre outras letras. Diante disso, é claro que escolhi uma tipografia script para poder favorecer o “I”, mas foi praticamente impossível desenhar à mão a conexão entre as letras daquele estilo script. Foi quando sinalizei ao meu avô que preferia experimentar outro estilo, uma vez que ainda estávamos no lápis e no papel-manteiga. Lembro-me que em nenhum momento ele cogitou a possibilidade de fazer o trabalho por mim e puxou uma outra tipografia mais bastonada para que eu pudesse ter maior proveito, prazer e qualidade no meu primeiro ensaio como designer na vida. Confesso que foi uma das experiências mais marcantes ver, ao entrar na chácara nos fins-de-semana, a marca da nossa família lá no alto daquele catavento. Esse foi o meu primeiro trabalho de direção de arte. Cliente: Chácara Castello Branco

1 comment:

Anonymous said...

Emocionante, me lembra meu pai me ensinando a desenhar um porquinho com 2 'dablius' e 1 três, ou então me falando sobre seus quadros. Me identifiquei muito.

Escrevi sobre o meu pai em:
http://diariointerativo.wordpress.com/2007/01/12/meu-pai-sobre-a-lei-cidade-limpa/

Um abraço e viva o Sr. Seu Avô
Thiago Honório