Sunday, July 09, 2006

Última Entrevista sobre o Festival (acho eu)

1 - Qual sua opinião sobre a performance do Brasil especificamente na área que contou com sua presença no júri? E quais as razões deste desempenho?

A minha opinião é que na categoria Cyber, a performance do Brasil não foi ruim. De todas as categorias, a criatividade interativa continua mais do que trazendo bons resultados para o Brasil, continua marcando as edições do Festival de Cannes com forte representatividade, tornando o nosso país uma das grandes referências criativas de internet no mundo. Porém, poderia ser melhor. É claro que as diferenças de verbas, de culturas do consumidor e de maturidade, tanto das agências quanto dos anunciantes, são fatores que contribuem muito para que outros países tenham mais facilidades.

O Brasil tinha muitos trabalhos de alta qualidade, os que foram premiados e os que não foram, assim como diversos países como os Estados Unidos e a Inglaterra. E a verdade, que talvez só possa ser compreendida quando testemunhada com olhos próprios, é que existem muitos fatores relativos que influenciam diretamente no desempenho da premiação, alguns aspectos que ainda podem ser contornados e outros totalmente fora de uma análise racional, esses especialmente são refletidos pela sorte ou falta de sorte.
Vou citar alguns dos fatores que para mim influenciaram a premiação. Alguns deles podemos tomar atitudes que possam melhorar o desempenho nas próximas edições, outros nem tanto.


Fator Globalização – Se os jurados do festival foram impactados por uma campanha em tempo e praça de atuação real, e os mesmos por acaso possuam uma opinião favorável sobre esse trabalho, independentemente da exposição da campanha no festival, ela já tem pelo menos popularidade no júri. Com isso, as campanhas globais naturalmente já são mais expressivas. É preciso criar de alguma forma uma exposição dos trabalhos nacionais dentro do trade internacional e principalmente bem antes do festival.

Avaliações individuais – A primeira fase de julgamento ocorreu individualmente pelos jurados, sem discussão e de forma matemática. Uma média coletiva classificava as peças para o shortlist e a média alta classificava as peças que seriam votadas para Leão. Talvez essa seja a fase do festival onde a sorte seja o fator relativo mais eficiente. Conversei com diversas pessoas do júri sobre os trabalhos que chamaram atenção e percebi que as opiniões eram muito antagônicas, então nesse sentido o volume de peças inscritas faz muita diferença, mas ainda não garante o resultado positivo. Haviam muitos trabalhos brasileiros dentro do shortlist, mas muitos deles não tinham pontuação suficiente para disputar os Leões e, como nesta primeira etapa a decisão é matemática e não argumentativa, não há como questionar.

Questão do voto “patriota” ou “fantasma”– A organização do festival na categoria Cyber é altamente imparcial e profissional, não permitindo qualquer condução que caracterize discriminação ou preferência por país, entretanto, as manifestações pessoais dos jurados influenciam muito a disposição do júri em relação aos seus votos. Foram levantadas questões sobre a veracidade de algumas peças de diversos países, incluindo o Brasil e os Estados Unidos. Apesar dos representantes dos países envolvidos nos questionamentos manifestarem ou defenderem as peças, só o questionamento e o clima chato que a situação gera já é suficiente para derrubar as chances de premiação destas peças. A frequência com que isso ocorre durante o julgamento pode generalizar a percepção sobre um país. Sobre esse ponto de vista, as circunstâncias que fizeram com que 2 Leões brasileiros, mesmo de outras mídias, fossem devolvidos por irregularidades quaisquer, podem aumentar e muito desconfianças em desfavor do Brasil no próximo ano.

As categorias ficaram menos abrangentes para o Brasil - no capítulo Cyber, a categoria Website apesar de ter uma peça brasileira no shortlist (FiatIdea.com.br), já se tornou quase impossível para o Brasil ser premiado, por uma questão de mercado mesmo. Enquanto lá fora, as produções dos websites são investimentos e produções cinematográficas que levam até mais de ano para serem produzidas, aqui a gente ainda briga pra ter uma semana a mais nos prazos mais generosos, que em sua maioria não chegam a um mês. O nosso mercado precisa amadurecer muito nesse sentido e entender que desenvolver um site que possa ser testado adequadamente, bem-produzido e bem-finalizado precisa um mínimo de tempo e que esse investimento, que nem sempre é dinheiro, pode trazer muito mais retorno em satisfação do usuário e até mais confiança do consumidor para uma marca. Hoje, os sites que se destacam no mercado nesse sentido são quase todos frutos da dedicação pessoal dos profissionais que abrem mão de tudo pelo desafio de criar algo que seja compatível com suas referências ou simplesmente pela oportunidade de criar auto-referência. Na subcategoria “Campanhas Interativas” a situação também apertou, no entanto, por outras razões. Este ano muitas campanhas interativas lá fora foram os principais instrumentos da modernização da propaganda, tendo desdobramentos integrados em outras mídias e principalmente criando um contexto de envolvimento de marca muito mais rico e inovador do que campanhas baseadas só em banners. Neste aspecto, o dever de casa é nosso (online + offline). É preciso romper os formatos, integrar os meios e tornar uma campanha interativa mais poderosa pela sua composição de experiências ricas e complementares. Por fim, ainda existe a categoria relacionada a peças de mídia online, onde a idéia, a simplicidade e a criatividade são os principais ingredientes. Essa categoria sempre nos assegurou a competitividade e mais, é a categoria em que os brasileiros dominam e são fortemente respeitados.


2 - Qual sua opinião a respeito da performance do País (em termos gerais) nesta última edição do Festival de Cannes?

Acredito que a performance geral do Brasil em propaganda tradicional foi muito ruim. Não pelos resultados em si, até porque haviam coisas premiadas que já não são nenhuma novidade - pelo contrário, o grand prix de press, por exemplo, além de bem-manjado é um típico pensamento criativo brasileiro dos anos 80/90. O Brasil, infelizmente na minha opinião, não tinha muito material competitivo mesmo, exceto por rádio. Por outro lado, vejo que nas categorias Marketing Direto e Promoção poderemos ser mais competitivos se melhorarmos os processos de inscrição.


3 - Na sua visão, quais fatores contribuíram para a restrição de prêmios concedidos ao Brasil (que recebeu o menor número de Leões dos últimos quatro anos)? Terá sido a redução de verbas; a exigência de resultados a curto prazo; a queda de investimentos em pesquisa ou, pelo contrário, o apoio exagerado em dados de pesquisa, visando minimizar erros?

Todos esses fatores não são nenhuma novidade relativa a esse ano, até porque em termos financeiros o brasileiro sempre viveu com a corda no pescoço. Se, por um lado, o problema das agências é falta de ousadia e inovação, por outro, o problema do anunciante é a falta de compromisso com uma comunicação de marca mais inteligente e menos literal. Com isso, estamos construindo um mercado cada vez mais apelativo, criando uma expectativa de consumidor mais oportunista e a longo prazo gerando uma cultura de consumo mais pobre, baseada só em oportunidades de compra em vez de lealdade às marcas.

4 - De que forma as agências e anunciantes brasileiros poderiam reverter este quadro?
Na minha opinião, a pergunta em si já sugere uma alternativa, não para o Brasil ganhar mais prêmio em Cannes, mas para melhorarmos o nível da comunicação como um todo. É preciso que as agências e os anunciantes se autodesafiem e sejam mais comprometidos com a qualidade da comunicação. É uma grande injustiça acreditar que anunciante e agência não sejam diretamente responsáveis pela qualidade da sua comunicação.

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